Peça rara, o Lincon. É sempre o primeiro. A chegar e a sair do Bar do Caçapa. Se criou na invernada de Olaria. Vida dura. Foi salva-vidas na enseada de Botafogo. Só salvou um ser humano em toda carreira: o próprio. Ficou surdo de um ouvido quando foi “embolado” pela única onda, em noventa e sete anos, que apareceu no Mourisco. Unha de fome. Nunca vi mais pão duro. Sempre tomou sua cerveja sozinho mas também não filava de ninguém. E nem oferecia. Não rodeava a mesa só pra não pagar. Casou-se com a Verinha, uma hippie que vagava por lá. Apaixonou-se pela “inteligência” dela. É, babava e se enchia de orgulho quando ela falava:
- Eu, enquanto ser humano, a nível de pessoa, tenho toda uma história que transcende, percebeu você ? – um sorriso iluminava seu rosto.
E algumas histórias do Lincon viraram lendas. Outras, se não foram com ele, passaram a ser. Um dia a Verinha passa lá pelo o bar:
- Lincon, me dá vinte reais aí que eu vou a feira.
- Vinte !? Pra que dez? Toma cinco gasta dois e trás o troco...
Essa foi com seu filho:
- Pai, me dá cinco pratas aí.
Ele, com a mão em forma de concha no ouvido surdo, não entendia:
- O que se falou, filho?
- Me dá cinco pratas.
- Hem ? fala mais alto..
- ME DÁ DEZ PRATAS AÍ !!!
- Não, você tinha falado cinco...
O Antenor é um camelô que aparece e desaparece no nosso boteco. Camelô daqueles antigos, com voz de tenor: “- É a gilete “ingreza” e a caneta “isquerográfis”! É o salgado e dôce, vai? Da mate gelado vai !?”. Fazia também um joguinho do bicho. E bebia muito. E o Lincon não admitia bêbado. Tinha que saber beber. Profissionalmente ou industrialmente Tinha que ser aquele bêbado sóbrio. Elegante. Estava na porta do bar, quando chega o Antenor:
- Ô Lincon, dá um trocado aí pra mim comprar um pão...
- Não dou não, Antenor. Você tá fedendo muito a pão...
Arrastado e ameaçado, ele e a Verinha. foram visitar um casal de amigos dela. Mas desses casais chatos. Desses que o cara não bebe, faz ginástica, assiste o Fantástico e acompanha novela. Ela, dessas que chamam o marido de “beemm”, daquelas que se aprontam pra dormir, pois podem sonhar que estão numa festa. E tome biscoitinho, bolinho, desses de receita de televisão e o Lincon com numa vontade danada de tomar uma cerveja. Lá pelas tantas, jogou verde:
- Tá quente, né ...?
A esposa do cara, gentilmente, numa educação superficialmente irritante , lhe pergunta:
- O senhor aceitaria uma água ?
- Minha senhora, eu tô é com sede. Não tô sujo, não...
Quatro horas da manhã e nada do Baptistinha chegar em casa. Mandaram o Lincon procurá-lo. A alguns metros do Caçapa, ele vê o Baptistinha entrando no carro pra sair, no maior fogão. Pensou:
- Se eu for lá ele vai me esculhambar, dizendo que não precisa de babá e os cambau. Vou ficar escondido aqui e acompanhá-lo de carro pra ver se ele chega bem em casa.
E lá foram. E o Baptistinha entra em rua, saia de rua, entra em rua, sai de rua. Rodando a cidade toda. Comendo calçada. E o Lincon atrás.
- Pô, o Baptistinha tá procurando botequim aberto. Não vai pra casa!
Ao dobrar uma esquina, vê o carro do Baptistinha abraçado num poste:
- É você, Lincon ? Pô, que sorte rapaz. Me ajuda aí. Estava tentando escapar. Tem um cara me perseguindo desde lá do Bar Paraiso ...
Roberto Sousa
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