Não consegui. Juro que não consegui. Tentei acabar esta crônica para o último número da GNL, mas nada feito. Fiquei “exaurido garcia”. No domingo trabalhei mais do que padre com oito missas. Mãos trêmulas, pernas bambas, dor nas costas e garganta seca. Vejam a prosopopéia da epopéia.
Tem um amigo do Joel que está em obras. Fazendo um “puxadinho” no barraco. E preparou para gente um programão: ajudar a bater uma laje! Como a gente topa tudo, vamos lá. O Baptistinha confirmou só porque vai de chefe de turma e fez as pazes com o Joel. (teria dito que atrás de um grande homem tem sempre uma mulher que não se casou com o Joel - ele soube disso e ficou de mal.)
No domingo todo mundo lá. Cedinho. Que cenário! Todo mundo de ressaca do sábado, daquelas que a lei permite a eutanásia. Outra turma foi para ajudar: um bando de caras de calção surrado, descolorido. Espelhinho redondo de mulher pelada, carteira profissional ensebada e pente flamengo no bolso de trás. Camiseta, da mesma marca do pente, jogada no ombro. Equipados e preparados. Vinte e três batedores. De laje.
O Joel providenciou tudo . Duas garrafas de guaraná simbá, trinta e cinco litros de cachaça “rancatampa”, sete “azinhas” de frango, 150 gramas de linguiça e encontra-o-filé. Cerveja, bebe quem levou. E pra gente, a bagagem não pesava nada. Dois “bandeids” para qualquer perda de dedo.
O dono da laje é descendente de índio e sempre ralou muito na vida. O Joel tem a maior admiração por ele: já carregou mala no aeroporto, lavou banheiro de rodoviária, foi porteiro de cemitério e agora está contando paralelepípedo pra prefeitura. Coisa de índio.
E a dona do dono da laje ? Cento e vinte quilos. Você não sabe se ela está indo ou se está voltando. Bermuda de lycra vermelha. Blusa azul. Lógico, lenço amarelo na cabeça. No carnaval estava fantasiada de Tiazinha: do pescoço pra cima parecia o Zorro, pra baixo o Sargento Garcia. De quando em quando gritava pra moçada:
- “Aí, cambada, 10 minuto prus cafezes qui cimento entopi a guela!
E o filho da dona do dono da laje?. Com roupa de ver Deus, claro. Tênis do colégio todo molhado porque não deu tempo de secar. Cabelo cortado como o de dupla sertaneja. O Lincon ficou amigo dele. Até pediu para tomar conta dele, para ele não atrapalhar o serviço dos outros. Entende?
E o som ? Ah, o som. Tem um primo, que mora em Bangu 1, cela 15, , sei lá, que saca pacas de som. Aliás, tem sempre um primo do Rio que é o bonzão. E o cara chega de óculos escuro na cabeça, naquela brasília amarela, rebaixada, tala larga, provocando a maior admiração. Sempre com uma mulher que se acha a gostosa. E tome pagode.
Copo de papel para as crianças e madames. Para os homens, não. Para os homens, copo de vidro. Daqueles de geleia de mocotó, que não conseguiram tirar o rótulo todo.
O Baptistinha falou que o difícil não é o trabalho, é a coordenação. Sabe lá o que é administrar 23 começando a beber e mais 6 de ressaca? Ficou rouco. O Salles, que não bebe qualquer coisa, levou o seu “oudieite” e ponderou:
– “Whisky quanto mais velho, melhor. Gosto dele mais hoje do que a trinta anos atrás...”
O Joel quase brigou com Baptistinha de novo:
- “Pô, a gente aqui ralando num solão danado e o Baptistinha com o Salles na maior sombra. Ele é muito egoísta. Pensa mais nele do que em mim...”
Lá pelas tantas cervejas, deu vontade de fazer xixi. O Lincon olhou para um lado e para o outro, procurando um lugar para desaguar. Não ia fazer no banheiro da casa, pois não confiava na turma da laje que estava batendo a própria. Foi para um muro do outro lado da rua. Enquanto estava vertendo, passaram duas vizinhas do amigo do Joel:
- "Ai, Meu Deus. Que vergonha. Que coisa indecente. Nossa Senhora. Cruzes. Passa depressa. Não olha não !!!!"
E o Lincon:
- "Ôceis num preocupa não, muiérada. O bicho é brabo, mas tá na mão de homem..."
E assim foi o dia. Todo mundo comendo, cantando e bebendo. E o mais importante: todo mundo feliz. Ter dinheiro não é tudo. Solidariedade é o que vale. É isso aí. Dizem até que Deus gosta tanto de pobre, que fez um monte.
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