Este é um conto do Aldir Blanc, ligeiramente alterado, que por falta de coisa melhor veio parar aqui neste blog.
- Desde sábado?! Mas hoje é quinta!
A Frase cortou a mesa de jantar como a barbatana desse tubarão otário que andou fazendo sucesso nas telas e na imaginação de nossos mais representativos mentecaptos.
- Tu ficou muda mulher? Hoje é quinta!
- Eu sei, Aderbal, mas o Júnior só me falou hoje e eu pensei...
- Pensou? E desde quando tu pensa? Cadê o Júnior?
Adentra o recinto Aderbal Júnior, sete anos, anêmico, magricela e chato. Obviamente, como todo garoto anêmico, magricela e chato, o Júnior tinha problemas intestinais. Pra sermos exatos, borrava-se frequentemente. Nada mais compreensível, portanto, que a aflição de Aderbal Pai ao saber que Juninho há seis dias não fazia cocô.
- Telefona pro Dr. Waladão!
Enquanto a família aguardava o esculápio, uma prestativa vizinha, tendo ouvido apenas um berro do Aderbal do tipo "'tá entupido", chamoi Iná, a desvairada mãe, pelo muro e sugeriu:
- Põe soda cáustica, minha filha.
- bota na tua velha!
O Aderbal, normalmente tão educado, tido na Rua dos Artistas como "um doce de coco", tava um bocado nervoso. Tanto que destratou também a Dona Otília, outra ótima vizinha, que após atravessar a rua para averiguar o motivo dos gritos aconselhou com sua peculiar sabedoria:
- Ora, enfia a pontinha de um talo de couve molhado no azeite.
E o Aderbal, aparvalhado:
- Enfia aonde?
- Ué, no cuzinho...
- Talo de couve a senhora enfia na sua horta! no meu garoto, não!
Choviam sugestões:
- Chama a Heronda pra benzer a barriguinha dele.
- Mada comprar limonada purgativa.
Os priminhos do Júnior, cândidas e adoráveis crianças, não compreendendo a gravidade da situação, entoavam em coro:
- Saco de bosta! Saco de bosta!
Aderbal, pai extremoso, tomou a defesa do filho:
- Ou essas pestes param com a cantoria, ou eu arrebento um! Eu arrebento um!
Tio Odorico, pai do menino que regia o coro, não gostou:
- Olha aqui, Aderbal! Se tu encostar a mão no meu garoto, quem vai precisar de médico é você!
Aderbal, que já tava exasperado, deu prodigioso salto até a mesa onde jazia o jantar e arremessou uma travessa cheia de rizoto de camarão em tio Odorico.
Felizmente errou o alvo.
Infelizmente acertou em cheio a cara da esposa.
Houve um tumulto dos diabos, contornado graças apenas à diplomacia do meu avô Aguiar:
- Noêmia, traz o revólver.
Mas a paz durou pouco, porque o Penteado, tremendo gozador, fez uma piada infeliz:
- O menino com prisão de ventre e os marmanjões fazendo cagada!
Recomeçaram imediatamente as sugestões, os berros, o choro da Iná, o corinho de saco de bosta. Aderbal, momentaneamente ensandecido, gritava a esmo:
- Bota na velha! Arrebento um!
Dizem até que meu avô chegou a disparar duas vezes para o alto.
Toda a rua na janela. Frases chocavam-se nos oitis como pássaros malucos.
- Dá um chazinho de erva-cidreira.
- Chama a radiopatrulha!
- Eu boto a tropa na rua!
Neste instante, saltou de um Citroën o Dr. Waladão, recebido com aplausos e gritos dos moradores:
- Graças ao bom Deus!
- Aí, mocinho!
- Fala, ô roto-ruter! (para quem não está familiarizado com o termo, confira em:
http://www.rotorooter.com.br/hps/index1.htm)
Dr. Waladão ouviu o caso com semblante de águia, aproximou-se de Júnior, e, com a frieza dos grandes dicípulos de Hipócrates, sibilou:
- Não há nada a fazer.
Acocorado num cantinho do sofá, o Júnior, anêmico, magricela e chato como sempre, estava, como sempre, todo borrado.